Estou aqui olhando para a apostila de língua chinesa. A capa diz: Intermediário. Esse é o meu nível, mas me sinto uma criança de 4 anos quando falo ou quando tento entender um filme em mandarim. Me pergunto: por que, raios, eu quis aprender essa língua impossível? E me lembro: foi uma promessa.
Eu tinha 23 anos.
Foi logo depois de ter lido um texto de Peter Drucker (1909-2005) - grande especialista em administração moderna, professor e jornalista, nascido na Áustria. Eu era aluna do Mestrado na FEA/USP. Ele dizia que você precisa se programar para aprender uma coisa TOTALMENTE nova a cada cinco anos. Ele não falava de especializações na sua área. Não! Ele falava de coisas sem nenhuma relação com o seu conhecimento prévio. Seu cérebro tem essa capacidade. E você tem esse tempo, mesmo que pense não ter.
Eu tinha 23 anos.
Eu achei aquilo muito desafiador. Coisas totalmente novas; sem relação com nada que você soubesse antes. Parecia auto-ajuda? Parecia. Mas...pensei: "vou fazer isso aí".
Fui tocando a minha vida normalmente. Continuei trabalhando, casei, tive filhos. Mas...dediquei parte dos meus dias a coisas que nada tinham a ver com o meu trabalho. Depois do Mestrado, fiz Letras/Francês, aprendi Astrologia, comecei a treinar para correr em provas de rua, aprendi Dança Indiana, fiz Yoga (faço até hoje...), aprendi muito bem a língua Italiana (ok...era uma outra língua latina e eu já era fluente em francês...mas o italiano foi a terapia perfeita para um período em que eu estava esgotada psicologicamente...). Depois, pensei em começar piano, mas acabei escolhendo o desafio da língua chinesa e prestei novo vestibular, em Letras, para sacramentar minha dedicação. Embora nada disso tivesse a ver oficialmente com o meu trabalho como jornalista, tudo aparecia nos meus textos ou nas entrevistas que eu realizava. Nesse caminho, o curso de língua chinesa me levou a cursos de filosofia oriental, de medicina chinesa, de acupuntura...
Eu estou cumprindo uma promessa. E só entendi a importância disso em 2020. Repito:
A cada cinco anos, você precisa aprender uma coisa nova
Durante a pandemia, eu fui demitida. Saí de um emprego em que estava por 24 anos - ou seja, desde sempre. Mas perder o “vínculo empregatício" não me deu a tal sensação de vazio que tantas pessoas narram em seus momentos pós-demissão.
Eu percebi que tinha construído um lugar muito confortável dentro de mim.
Não se trata de ter um plano B (embora, eu recomende também). Se trata de reconhecer em si um universo de possibilidades.
E, então, me lembrei de um outro grande pensador, esse ainda vivo: Yuval Harari. Quando li 21 lições para o século XXI, em uma certa parte ele dizia que quando uma pessoa precisa mudar seu ofício, ela leva cerca de quatro anos para se especializar em algo novo. Alguém que passou a vida acostumando o cérebro a conhecer novas possibilidades consegue fazer o salto em tempo muito menor. A ideia-auto-ajuda de Drucker era visionária para momentos de profissões que desaparecem ou que surgem do nada.
Que salto eu vou fazer? Não sei ainda. Tenho feito muitos pequenos saltos e todos bastante agradáveis - incluindo manter-me jornalista com imenso prazer. A minha escrivaninha e minha agenda têm espaço para os meus trabalhos "oficiais" de texto e vídeo - que me sustentam - e para a China. Um inteiro país concentrado na apostila que me olha desafiadora, no livro de acupuntura clássica, nas aulas online sobre o mercado chinês ou sobre literatura oriental.
Hoje é isso. Em outros anos, outras aventuras. É promessa.
Nível intermediário, diz a capa da apostila.
Te saúdo, "eu-do-futuro", em Mandarim, e te mando um provérbio chinês:
种一棵树最好的时间是20年前,其次是现在。
A melhor época para plantar uma árvore foi há 20 anos. A segunda melhor é agora.
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